Hoje queremos compartilhar com vocês uma notícia que, para nós, é motivo de muita alegria e orgulho, e também de grande importância para a história natural da Ilha Grande. Conseguimos registrar, pela primeira vez na história, o urubu-rei (Sarcoramphus papa) aqui na Ilha Grande — uma ave majestosa, rara e que sempre despertou o interesse da comunidade de observadores de aves locais por já ter sido relatada por diversas pessoas, mas nunca registrada oficialmente.

Com este novo registro, a ilha ultrapassa oficialmente a marca de mais de 300 espécies de aves catalogadas [1], um marco que reforça a relevância de Ilha Grande como um dos principais santuários de biodiversidade do país.

Nesta postagem, vou contar como foi o nosso primeiro encontro com essa espécie, o longo período de espera por um reencontro e todos os bastidores que tornaram esse momento tão especial. Mais do que um simples registro, essa história é sobre conexão com a natureza, paciência e o prazer de observar aves livres em seu habitat natural.

Uma História de Paciência e Descoberta

No ano passado, vivemos um daqueles momentos que ficam guardados para sempre na memória. Estávamos na praia, num dia em que decidimos sair apenas para passarinhar — levamos binóculos e nosso livro de identificação de aves, mas optamos por deixar o celular em casa. Queríamos nos desconectar um pouco da tecnologia e simplesmente observar, sem pressa, sem telas.

Foi ali, sentados na areia, que avistamos pela primeira vez um urubu-rei. Para nós, foi emocionante: a primeira vez que víamos essa espécie na vida, fora de um zoológico. Ele estava um pouco distante, e sabíamos que, mesmo que tivéssemos o celular, a foto não ficaria muito boa. Por isso, decidimos não fotografar, e sim aproveitar o momento — admirando a imponência daquele voo e guardando a cena na memória.

Pouco tempo depois daquele primeiro encontro, participei de uma atividade de observação de aves chamada “Vem Passarinhar”, organizada pelo INEA, na Rebio da Praia do Sul. No caminho, conversando com outros membros do Clube de Observadores de Aves da Ilha Grande (COA), ao qual também fazemos parte, contei sobre o urubu-rei que havíamos visto dias antes.

Foi então que veio a surpresa, um colega me falo que nunca havia sido feito um registro oficial dessa espécie na Ilha Grande. Alguns já tinham relatado avistamentos, mas nenhuma foto ou documento havia sido incluído nas listas oficiais.

Na hora, bateu uma mistura de orgulho e arrependimento — orgulho por termos visto algo tão raro, e arrependimento por não termos voltado para buscar os celulares.

Depois daquela descoberta, passamos a olhar para o céu com ainda mais cuidado. Já tínhamos certeza da existência do urubu-rei na ilha — não era mais um boato, como às vezes acontece quando alguém confunde uma espécie com outra. Para nós, não havia dúvida sobre o que tínhamos avistado, e isso nos motivava a manter a atenção redobrada.

Desde quando fizemos o primeiro avistamento, há mais de um ano, já retornamos em diversas oportunidades a essa mesma praia e a outras praias próximas, sempre observando e buscando por ele. Nesse dia em especial, o clima estava perfeito, e decidimos subir até o mirante próximo ao ponto do primeiro encontro, pensando: “Poxa, que bacana seria se conseguíssemos rever o urubu-rei e fazer uma foto bem bonita dele”. Ficamos por lá, observando aves por um bom tempo, mas nada dele aparecer.

Eu levei o drone e aproveitei para fazer algumas fotos panorâmicas do local. Enquanto isso, a Carla, incansável, continuava vasculhando cada ponto que via voando pelo céu com binóculos, na esperança de identificar algo especial.

Foi então que, de repente, ela anunciou com empolgação que tinha visto algo ao longe. No início, nem mesmo o zoom da câmera alcançava com clareza, chegamos até a pensar que talvez essa poderia acabar se tornando o nosso segundo avistamento, se conseguir um registro, mas aos poucos a silhueta imponente se aproximou, revelando-se como ele: o urubu-rei.

Foi um momento raro e emocionante. Ele sobrevoou mais baixo do que nós, fazendo voos circulares e se aproximando, como se estivesse nos presenteando com aquela visão. Em um dos voos, passou diante da ponta do morro da Parnaióca, com a Reserva Biológica da Praia do Sul ao fundo — uma cena que parecia pintada.

Pouco depois, ele se afastou, mas retornou, desta vez voando bem acima de nossas cabeças. O reencontro que tanto desejávamos finalmente havia acontecido.

Para nossa surpresa, a cena do primeiro avistamento se repetiu: em um determinado momento, o urubu-rei (Sarcoramphus papa) apareceu voando em formação com um urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus) e um urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura). Foi emocionante ver as três espécies voando juntas e poder estar compartilhando com vocês.

A Força da Ciência Cidadã: Uma Conquista Comunitária

Essa conquista não teria sido possível sem a força da comunidade e da ciência cidadã.

Carla Damasceno teve um papel fundamental em toda essa história. Moradora, observadora de aves, guia de ecoturismo na Ilha Grande, e também cofundadora do Ilha Grande Hiking, ela foi quem avistou o urubu-rei.

Sua dedicação e olhar atento foram decisivos. Além disso, ela foi a responsável por fazer a primeira publicação oficial no WikiAves [2], garantindo que a observação entrasse para a história da Ilha Grande.

Ela mesma conta que, enquanto estava a procura, brincava mentalmente com os outros urubus próximos, dizendo algo como: “Vamos lá chamar o seu rei para voar nesse céu lindo!” — uma fala leve e bem-humorada, sem qualquer relação hierárquica real na natureza, mas que tornou o momento ainda mais especial. E, como que respondendo ao chamado, o urubu-rei surgiu no horizonte, acompanhado, coroando um dia que ficará para sempre em nossas lembranças.

Outro ponto essencial nessa história é o trabalho realizado por Letícia Bortolon, integrante do Clube de Observadores de Aves da Ilha Grande (COA). Até pouco tempo atrás, era difícil saber exatamente quais aves já haviam sido observadas na ilha, pois as informações estavam dispersas em três listas principais: a lista acadêmica, a lista do WikiAves — uma das maiores plataformas de avifauna do Mundo — e a lista do INEA (Instituto Estadual do Ambiente).

Ela assumiu a missão de reunir e consolidar todas essas informações em um único documento, criando uma lista unificada e atualizada das espécies da Ilha Grande [1]. Esse trabalho de organização e cruzamento de dados foi fundamental para facilitar a consulta e dar mais clareza à comunidade de observadores, pesquisadores e visitantes.

Foi graças a essa lista que descobrimos que nós, aqui do Ilha Grande Hiking — eu e a Carla Damasceno — já havíamos feito outras "descobertas" inéditas para a Ilha Grande. Em ambos os casos eu tive a honra de ser o primeiro a publicar uma foto do: pernilongo-de-costa-branca (Himantopus melanurus) [3], que ja tinha sido avistado três vezes em ocasiões diferentes por nós na ilha, mas que ainda não constava em nenhuma das listas oficiais, e o colhereiro (Platalea ajaja) [4], fotografado em 17/09/2022 e publicado somente em 31/05/2025, e é claro, esse feito pela Carla: o urubu-rei (Sarcoramphus papa),

Esse esforço não só ajudou a consolidar informações, mas também abriu caminho para que mais registros inéditos possam ser identificados no futuro, fortalecendo o conhecimento e a preservação da biodiversidade local.